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ONTEM, HOJE E AMANHÃ
Raízes

"Todas as árvores são odoríferas e cada uma emite de si, goma, óleo ou algum líquido cujas propriedades, se fossem por nós conhecidas, não duvido que seriam saudáveis aos corpos humanos."

Américo Vespúcio em carta endereçada o banqueiro Lourenço de Médici, 1503.

Estressado com a sua vida? Por que não tomar um chá de camomila? Uma infusão de boldo para aquele enjoo. E para o resfriado, use o guaco. As plantas e ervas estão em todos os lugares. Nos quintais das avós, nos livros antigos, alimentos, cosméticos e até nos produtos industrializados.

Apesar de compor o conhecimento popular e tradicional do brasileiro, as plantas medicinais só começaram a fazer parte do Sistema Único de Saúde (SUS) em 2006, com a aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). De lá para cá, tem sido possível observar como o uso dessa medicina alternativa funciona. Os dados demonstram um crescimento exponencial: a procura pelos fitoterápicos e as plantas medicinais no SUS aumentou 160% em dois anos. 

O Brasil tem uma diversidade de plantas que chega a 55 mil espécies, de acordo com estudo realizado pela Universidade Estadual de São Paulo (UNIFESP), sendo grande parte dessa biodiversidade inexplorada. Ainda segundo o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), o Paraná é responsável por 90% da produção de ervas o Brasil, tendo como principal a camomila. Em 2016, o estado produziu 25 mil toneladas da planta. 

Entre os anos de 2016 e 2018, as plantas medicinais mais distribuídas no SUS foram o guaco, a espinheira santa e a isoflavona de soja, indicadas para o tratamento de problemas respiratórios, gastrite e úlcera e para os sintomas da menopausa. Em 2016, mais de três mil unidades de saúde ofertavam produtos fitoterápicos e plantas medicinais, beneficiando cerca de 12 mil pessoas por ano.  

Mesmo com a gigantesca diversidade biológica que o país possui e o aumento da procura pelas ervas, o que você sabe sobre as plantas medicinais a sua volta? Se eu te contar que elas podem se transformar em uma ótima refeição, você acreditaria? Ou até mesmo podem ser utilizadas como corantes? Siga o Raízes e você poderá descobrir tudo sobre o potencial inexplorado das plantas, que carregam em si a história do nosso país.

Deixe o som do Raízes invadir você

Texto: 
Andressa Navarro
Bárbara Moraes

Plantas medicinais e fitoterápicos: são a mesma coisa?

Em algum momento você já ouviu “Ah, mas não é tudo planta?” Não se engane, nem sempre aquilo que parece ser, é. Entender o universo das plantas talvez seja confuso, afinal, as mais variadas espécies possuem semelhanças na forma de uso, aplicação e princípio ativo. Explicar cada item é uma tarefa complicada, mas vamos começar pela dúvida mais recorrente: você sabe a diferença entre plantas medicinais e fitoterápicos?

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os dois possuem a mesma finalidade: de cura ou alívio dos sintomas de forma natural. Mas, de forma prática, essa diferença se torna marcante.

As plantas medicinais podem acompanhar tradições que variam de cultura, lugar e formas de uso. “Em partes diferentes de uma mesma árvore, a planta pode apresentar diversas composições”, explica o doutor em farmácia Luiz Marques. Segundo ele, é possível utilizar as folhas para fazer um chá, das cascas preparar uma pomada e das raízes fazer um comprimido.

A diferença está nos fitoterápicos, que são formados a partir da substância específica de uma planta para produzir um medicamento e não precisam ser necessariamente industrializados. “São medicamentos  preparados à base de ervas. Por exemplo, se você tem uma espécie no quintal de casa e for preparar um chá, estará produzindo um fitoterápico, pois a planta continuará tendo propriedades medicinais. A maioria de nós não consome as ervas diretamente, sempre  preparamos algo a partir delas”, afirma o doutor.

Embora os dois meios alternativos sejam reconhecidos pela Anvisa, a forma mais segura  de tratamento é sempre buscar a recomendação de algum profissional na área e fazer o uso consciente, tendo em vista que a utilização errada pode trazer riscos e complicações. E aí, ficou alguma dúvida? É só conferir o comparativo abaixo:

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Texto e Arte:
Cinthia Guimarães
Fitoterápicos
Tá na lei?

Tá na lei?

O uso das plantas medicinais está enraizado na cultura popular, mas apesar disso, os fitoterápicos só entraram na legislação brasileira em 2006, com a Política e Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Mesmo depois de 13 anos da criação do programa, somente 12 plantas medicinais são disponibilizadas atualmente na rede pública de saúde. Confira na linha do tempo como ocorreu o processo para a regulamentação dos fitoterápicos ao longo dos anos no Brasil:

Linha do Tempo:
Andressa Navarro
Bárbara Moraes
Desvendando saberes ancestrais

Desvendando os saberes ancestrais

As histórias das invasões, descobrimento e colonização do Brasil estão presentes em nossas vidas desde cedo. Do pau-brasil à cana-de-açúcar, a flora do país sempre esteve no centro das atenções dos europeus. E o que as plantas medicinais têm a ver com isso? A influência dos povos nativos em processos de cura está diretamente ligada a essas ervas. O conhecimento foi passado, ou apropriado, pelos padres jesuítas e colonizadores que, até àquele período, desconheciam o vasto poder dos elementos que existiam nas florestas. Do período pré-colonização até os dias atuais, a ligação dos brasileiros e a força desta relação com as ervas e suas propriedades desenham um mapa histórico e ancestral.
 

“De um lado temos corporificada nos jesuítas uma intensa ocupação, na intenção de dominação. Do outro, havia os indígenas, que foram ativos nesse processo de construção do conhecimento do uso de diversas plantas nativas", explica Heloisa Gesteira, doutora em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF). No projeto "A cura do corpo e a conversão da alma - conhecimento da natureza e conquista da América, séculos XVI e XVII", Heloisa estuda a relação entre os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas e o processo de observação feito pelos jesuítas. 

Segundo a historiadora, nos colégios jesuítas localizados nas capitais coloniais como Salvador, Recife e Rio de Janeiro, passaram a existir as chamadas “Boticas Farmacêuticas”, espaços que utilizavam ativos que vinham da Europa, mas  também manipulavam medicamentos a partir do que era encontrado no Brasil.

Com o aumento da produção de produtos fitoterápicos nos espaços liderados pelos jesuítas, iniciou-se um processo de expansão de conhecimento pelo território que correspondia à América Latina. Para a pesquisadora, relembrar esse processo não deixa de ser uma homenagem às populações indígenas que são de fato os donos dos primeiros saberes e legados que temos atualmente. E com isso ainda acrescenta, “muitas pessoas que trabalham com fitoterapia ou fazem pesquisas sobre plantas medicinais recorrem aos textos deixados pelos religiosos e outros administradores coloniais como uma fonte importante do conhecimento”.

Um olho no passado e outro no presente

 

Falar sobre a relação entre a colonização e a descoberta de plantas medicinais traz um novo olhar sobre as origens brasileiras. E também nos ajuda a compreender a expansão do conhecimento sobre as ervas medicinais ao redor do mundo. Nativas ou não, essas plantas passaram a ter uma enorme importância, histórica e comercial. É o caso do óleo de copaíba, altamente comercializado na Europa, mas proveniente da Copaibeira, uma árvore de origem latino-americana, com funções tanto medicinais quanto estéticas. O uso do óleo é indicado para  diversas finalidades, como alívio de dores musculares, antisséptico, desintoxicação do organismo, expectorante e laxante.

Embora por trás de todo esse processo tenha havido o claro interesse econômico, resultando na apropriação e enriquecimento dos colonizadores, reconhecer a importância de saberes ancestrais e da história, tanto dos índios quanto dos padres jesuítas, para a construção do conhecimento e de novas descobertas, é fundamental para compreendermos aquilo que sabemos e utilizamos no nosso cotidiano. Afinal, as heranças deixadas prevalecem das mais variadas formas de tratamentos para doenças e sintomas, passam de geração em geração e, como ressalta Heloisa Gesteira, são construídas coletivamente.

Texto:
Cinthia Guimarães 
Gabriela Santos
Foto: 
Andressa Navarro
Segunda vida dos Pataxós

Segunda vida dos Pataxós

No extremo sul da Bahia, em Porto Seguro, no Arraial d’Ajuda, é lá que vivem os índios da tribo Pataxó, que há 519 anos preservam uma tradição que atravessa gerações. Conhecimentos que transcendem o tempo e a colonização.  Se hoje usamos principalmente os remédios com fórmulas químicas cada vez mais avançadas, é importante lembrar que nem sempre foi assim. Os povos originários brasileiros já utilizavam o poder curativo das plantas há muitos séculos e é justamente essa a tradição que a tribo Pataxó cultiva até os dias atuais.

 

Uma das grandes preocupações da tribo originária da Bahia é que este conhecimento não só seja passado adiante, como também disseminado para o maior número de pessoas possíveis. Os pataxós têm um grupo de membros que roda o Brasil com museus itinerantes de ervas - são pessoas escolhidas para a missão por deterem o conhecimento para realizar o trabalho.

Os primos Ythamawy e Aktxawã Pataxó são responsáveis por trazer o museu para o estado de São Paulo. No dia 13 de setembro a exposição chegou ao ABC Paulista, em Santo André, onde ficou até o dia 15 de outubro.

O museu itinerante é instalado na Rua Oliveira Lima, um calçadão muito movimentado e rodeado de lojas no centro da cidade. Para os Pataxós não importa se o clima está ruim, com aquela cara de chuva, às 7 horas a exposição já está montada e pronta para funcionar.

Quem se aproxima e pergunta sobre o efeito das plantas ou das ervas recebe uma explicação completa. 

Folha de amoraYthamawy Pataxó
00:00 / 00:25

De acordo com Ythamawy, eles já vieram outras vezes para Santo André. “A gente faz essa exposição aqui já faz um tempo. Todas as vezes fechamos parceria de até 30 dias com a prefeitura, por intermédio do órgão da FUNAI”. Com a autorização emitida, eles podem montar a barraca, fazer a exposição e comercializar as ervas. “Fazemos a divulgação e reafirmação cultural do nosso povo Pataxó da Bahia”.

O hábito cultural de utilizar o poder medicinal das plantas está há muito tempo na tribo Pataxó e se depender dos indígenas a meta é que permaneça assim. Ythamawy conta que atualmente em todas as escolas de sua tribo há um professor responsável por ensinar sobre a cultura local e o pachowan, língua materna dos Pataxós. “Uma vez por semana as crianças vão até a casa do pajé. O líder religioso da comunidade cuida da horta da vila e explica aos alunos a importância das plantas e a forma de utilizá-las”, lembra Ythamawy. 

“”

Ythamawy Pataxó, índio itinerante.

Por volta das 9 horas o fluxo de pessoas na Oliveira Lima é intenso, o indígena já atendeu à diversas dúvidas de compradores e Ythamawy decide que é o momento. Ele pega o seu microfone, coloca uma roupa típica de sua tribo e começa a fazer a receita tradicional dos Pataxós: a “Garrafada de 32 plantas”. 

É um chá de planta puroYthamawy Pataxó
00:00 / 00:28

Para prepará-la Ythamawy utiliza uma colher em forma de concha - o diferencial deste utensílio é o seu cabo de aproximadamente um metro, capaz de alcançar de ponta à ponta o museu de ervas. Cada planta recolhida terá o mesmo fim, ser macerada em seu gigante pilão. Mas antes elas recebem uma explicação detalhada, uma a uma.

Após completar as 32 ervas, ele explica o método de preparo e convida todo o público presente para experimentar a amarga bebida que acabara de ser preparada. E como descrever os 20 ml de puro amargor da tradicional receita dos Pataxós? 

Imagine que você é novamente uma criança, está bem doente e sua mãe comprou um xarope com um gosto bem ruim. O primeiro gole vem acompanhado de uma careta, de um gosto marcante que fica. A garrafada se assemelha a isto e  o próprio Ythamawy alerta que a bebida é difícil de encarar.

Quem mais procura essa receita tradicional da tribo do sul da Bahia são pessoas em busca de amenizar os efeitos do colesterol alto, diabetes e problemas cardiovasculares. Entretanto, há um outro problema: muitas pessoas insistem em se automedicar sem o acompanhamento médico. “Não é porque o remédio é natural que  pode ser usado de maneira desenfreada”, lamentou.

Texto:
Marcelo Hirata
Samuel Oliveira

Segunda vida dos Pataxós

No extremo sul da Bahia, em Porto Seguro, no Arraial d’Ajuda, é lá que vivem os índios da tribo Pataxó, que há 519 anos preservam uma tradição que atravessa gerações. Conhecimentos que transcendem o tempo e a colonização. Se hoje usamos principalmente os remédios com fórmulas químicas cada vez mais avançadas, é importante lembrar que nem sempre foi assim. Os povos originários brasileiros já utilizavam o poder curativo das plantas há muitos séculos e é justamente essa tradição que a tribo Pataxó cultiva até os dias atuais.

 

Uma das grandes preocupações da tribo originária da Bahia é que este conhecimento não só seja passado adiante, como também disseminado para o maior número de pessoas possíveis. Os pataxós têm um grupo de membros que roda o Brasil com museus itinerantes de ervas - são pessoas escolhidas para a missão por deterem o conhecimento para realizar o trabalho.

Os primos Ythamawy e Aktxawã Pataxó são responsáveis por trazer o museu para o estado de São Paulo. No dia 13 de setembro a exposição chegou ao ABC Paulista, em Santo André, onde ficou até o dia 15 de outubro.

O museu itinerante é instalado na Rua Oliveira Lima, um calçadão muito movimentado e rodeado de lojas no centro da cidade. Para os Pataxós não importa se o clima está ruim, com aquela cara de chuva, às 7 horas a exposição já está montada e pronta para funcionar.

Quem se aproxima e pergunta sobre o efeito das plantas ou das ervas recebe uma explicação completa:

Folha de amoraYthamawy Pataxó
00:00 / 00:25

De acordo com Ythamawy, eles já vieram outras vezes para Santo André. “A gente faz essa exposição aqui já faz um tempo. Todas as vezes fechamos parceria de até 30 dias com a prefeitura, por intermédio do órgão da FUNAI”. Com a autorização emitida, eles podem montar a barraca, fazer a exposição e comercializar as ervas. “Fazemos a divulgação e reafirmação cultural do nosso povo Pataxó da Bahia”.

O hábito cultural de utilizar o poder medicinal das plantas está há muito tempo na tribo Pataxó e se depender dos indígenas a meta é que permaneça assim. Ythamawy conta que atualmente em todas as escolas de sua tribo há um professor responsável por ensinar sobre a cultura local e o pachowan, língua materna dos Pataxós. “Uma vez por semana as crianças vão até a casa do pajé. O líder religioso da comunidade cuida da horta da vila e explica aos alunos a importância das plantas e a forma de utilizá-las”, lembra Ythamawy. 

“Eu como indígena acredito que é a minha obrigação trazer a cultura de se tratar com as plantas, não só pra dentro da minha comunidade, como expandir isso para fora”

Ythamawy Pataxó, índio itinerante.

Por volta das 9 horas o fluxo de pessoas na Oliveira Lima é intenso, o indígena já atendeu à diversas dúvidas de compradores e então decide que é o momento. Ele pega o seu microfone, coloca uma roupa típica de sua tribo e começa a fazer a receita tradicional dos Pataxós: a “Garrafada de 32 plantas”. 

É um chá de planta puroYthamawy Pataxó
00:00 / 00:28

Para prepará-la Ythamawy utiliza uma colher em forma de concha - o diferencial deste utensílio é o seu cabo de aproximadamente um metro, capaz de alcançar de ponta à ponta o museu de ervas, essas que o índio mostra saber o nome de cada uma pela própria carinha. Cada planta recolhida terá o mesmo fim, ser macerada em seu gigante pilão. Mas antes elas recebem uma explicação detalhada, uma a uma.

 

Após completar as 32 ervas, ele explica o método de preparo e convida, todo o público presente, para experimentar a amarga bebida que acabara de ser preparada. E como descrever os 20 ml de puro amargor da tradicional receita dos Pataxós? 

Imagine que você é novamente uma criança, está bem doente e sua mãe comprou um xarope com um gosto bem ruim. O primeiro gole vem acompanhado de uma careta, de um gosto marcante que fica. A garrafada se assemelha a isto e  o próprio Ythamawy alerta que a bebida é difícil de encarar.

Quem mais procura essa receita tradicional da tribo do sul da Bahia são pessoas em busca de amenizar os efeitos do colesterol alto, diabetes e problemas cardiovasculares. Entretanto, há um outro problema: muitas pessoas insistem em se automedicar sem o acompanhamento médico. “Não é porque o remédio é natural que  pode ser usado de maneira desenfreada”, lamentou.

Em 2019, os primos Ythamawy e Aktxawã Pataxó já passaram por sete cidades de São Paulo e o próximo destino é o litoral, mais especificamente a cidade de São Vicente. O Museu itinerante de ervas conta ao todo com 82 plantas medicinais,  a maioria plantada na própria aldeia baiana, ou trazidas de regiões que estão no caminho dos índios pelo Brasil.

Texto:
Marcelo Hirata
Samuel Oliveira
Vídeo:
Marcelo Hirata
Fotos:
Lucas Cardoso
Marcelo Hirata
Bença, vó

Bença, vó

Com o terço em mãos, a mulher tímida e mirrada reza um Pai Nosso em voz baixa, quase sussurrando. A luz invade o ambiente pelas frestas da janela e banha um cômodo simples, com paredes descascadas e chão de terra batida. A imagem de Nossa Senhora Aparecida reina ao lado de Jesus Cristo. Cosme, Damião e os erês estão na sala e a pessoa sentada na cadeira, quieta, se assusta com o ramo de arruda batendo nos ombros.

O retrato da ancestralidade e do sincretismo brasileiro está aqui, em pequenas salas da periferia da cidade de São Bernardo do Campo. São Donas Anas, Terezas, Ceniras… Donas. Que aprenderam o ofício de benzedeiras ainda meninas, com membros da família que lhes ensinavam as orações quase como um segredo. Aprendizado, não, herança. Muitas não tiveram filhos, mas ofereceram colo de avó para todos àqueles que precisavam.

Elas são procuradas para curar os mais diversos males, do corpo à alma. Ali, dor de cabeça, insônia, mal olhado, quebranto e erisipela são avaliadas e afagadas com olhos gigantes, profundos, que guardam todo o tipo de história e mal precisam de palavras para se expressar.

Cantos, ervas e orações se mesclam à sensação de paz onde, um dia, a dor já reinou. Não há preconceito que impeça que filas se formem à porta dessas mulheres. A elas são entregues os segredos mais profundos, as lágrimas mais pesadas e o sentimento mais terno: a confiança.

Abre a porta, a janela, a alma e o coração: está na hora de pedir a bença.

 Texto:
Gabriela Santos 
Fazendo Erverança
Os saberes populares transformados em remédio

Fazendo erverança

Apesar de estar muito próxima da Avenida Senador Vergueiro, na cidade de São Bernardo do Campo, a rua Paulo Di Favari é silenciosa e tranquila. As plantas chamam a atenção da casa número 431 logo na entrada. Andreia Camargo atende a campainha, abre o portão e nos convida para descer os degraus. Então, diante de nossos olhos, surge o jardim do Erveiro. O local é tomado por plantas de diferentes cores e tamanhos. Em um dos lances da escada, os galhos de uma árvore se enrolam no corrimão, colocando, quem quer que esteja lá, em contato direto com a natureza. Naquele instante, o forte cheiro de incenso invade os sentidos e já é possível ouvir a voz daquele que dá o nome ao local. 

 

Andreia nos leva até Adriano Camargo, o erveiro da Jurema. Alto, de cabelos grisalhos e um sorriso aberto, ele sai do escritório e se apresenta em uma sala repleta de pacotes fechados de livros. Sem demora, a entrevista se inicia em uma mesa de frente para o jardim, em que é possível vislumbrar a Jurema Negra, comum na região Nordeste cujos os galhos invadem o telhado. Com a árvore, Adriano é super protetor. “Ela está aqui há oitos anos, por isso, eu arranco o telhado, mas não mexo nela”, contou. Sentado na cabeceira da mesa, o erveiro começa a contar a história dele. 

 

Na década de 1990, a umbanda ressurge após sofrer uma popularização na década de 1970, seguida de um declínio em 1980. Adriano veio de um lar umbandista. A mãe dele era médium nos anos 50. E é nesse contexto que Adriano, um executivo de sistemas, entrou em contato com o uso das ervas em banhos, defumações e benzimentos. “As pessoas aprendem sobre as ervas com a mãe, a avó, mas elas não sabem a razão de usar uma erva ou outra, em certa quantidade. A minha intenção era sair do achismo, da crendice.” E a paixão pelo trabalho o levou ao desafio de fundamentar o conhecimento científico. Ele acredita que a base empírica, real, leva ao respeito pela religião.

"Se o uso da erva fosse restrito a uma religião, cresceria só no quintal do religioso e não é o que acontece”

Adriano Camargo, o Erveiro.

Se no início o objetivo era entender o funcionamento de um banho, o erveiro foi além. Ele começa, então, a jornada pelo caminho da magia natural, trilhada de forma simples, sem planejamento. Em cinco anos começou a ministrar o primeiro curso fora de casa sobre o tema. Ele deu aulas em lugares como a Casa de Bruxas em Santo André, o Portal do Arcanjo Miguel, sendo o último um espaço que não existe mais. Camargo se dividia entre ser o executivo impecavelmente bem vestido e estudar cada vez mais sobre as ervas, expressando duas personalidades contrastantes. Em 2007, ele abandona definitivamente a gravata e passa a se dedicar totalmente a aprendizagem sobre as plantas. 

 

Nos cursos, era questionado sobre a possibilidade de vender banhos prontos para as pessoas e daí surgiu a ideia da empresa Ervas da Jurema, que, depois, se tornou “O Erveiro”. Com a mente de administrador, Adriano não quis misturar os negócios com a vida pessoal. Buscou um local perto do outro negócio que já possuía. Na procura, encontrou uma casa com um jardim completamente destruído. Alugou a residência e revitalizou o espaço. “As ervas que usamos no curso não estão aqui. Isso aqui para nós é sagrado, é um campo de descobertas e experimentação”. 

 

A vida do erveiro e da família gira em torno, mas não exclusivamente, das ervas. A companheira de todas as jornadas, e esposa há 29 anos, Andrea Camargo e a filha, Thais Camargo, o ajudam. Hoje ainda oferece cursos e oficinas divididas em cinco módulos, que ensinam desde a identificação das plantas até a vibração de cada erva. “Nós incentivamos as pessoas a trabalharem com isso e a esse trabalho damos o nome carinhosamente de erverança, termo que criou com a seguinte lógica: "se pajé faz pajelança, erveiro faz erverança". 

 

Fazendo erverança, o erveiro viu a necessidade de pôr no papel tudo que sabia sobre as plantas. Não demorou para vir o livro “Rituais com Ervas: Banhos, defumações e benzimentos”. Atualmente, na oitava edição, já vendeu mais de 12 mil exemplares. 

 

Mas afinal, o que é ser erveiro? Adriano Camargo começou a ser chamado assim no ano 2000 porque as pessoas não sabiam exatamente o que ele fazia, apenas que falava de ervas. “Erveiro é quem efetivamente trabalha com ervas, quem conhece elas.” Ele repete que é importante o termo “estar erveiro”, pois acredita que, nesta condição, é importante todo dia estar em contato com as plantas, a terra e seus ensinamentos. E o contato com a vida natural permite que ele possa trocar muitas experiências das plantas medicinais com outras pessoas. 

“Estar erveiro é ter essa comunhão com as plantas, é viver de pé na terra.”

Adriano Camargo, o Erveiro.

Adriano gosta do que faz já que, pra ele, estar erveiro não é uma obrigação. Segue o caminho da ‘magia’ natural por livre escolha. Mas, além disso, pôde descer da arrogância e descobrir seus valores, sua essência. Para o futuro, o erveiro entende que a erverança independe dele por que, o poder das ervas, sempre terá seguidores.

Fotos: Andressa Navarro
Texto: Bárbara Moraes
Para além das plantas medicinais

Como os saberes populares são transformados em remédio

Os caminhos para transformar uma planta em remédios e fitoterápicos envolve muito mais que pura comprovação científica. É um processo que mexe com pessoas, culturas e a relação que elas possuem com as ervas. 

 

Eliana Rodrigues é bióloga e doutora especializada em farmacologia e etnobotânica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ambas as ciências estudam a relação entre as plantas medicinais e as pessoas; e se aproximam de culturas e comunidades tradicionais para catalogar, ajudar esses povos com questões burocráticas e transformar o conhecimento indígena e quilombola em remédios para a indústria farmacêutica.

 

Ao lado de seu orientador de doutorado Elisaldo Carlini, o maior psicobiólogo do país, Eliana foi responsável por uma pesquisa que envolvia a etnia Krahô, aldeia indígena quase isolada no cerrado, no norte do Tocantins. Eles descobriram 138 novas espécies vegetais utilizadas pelos Krahô com potencial farmacológico ainda inexplorado. De 1998 a 2001, Eliana passou mais de 200 dias ao lado do xamã da tribo aprendendo sobre os efeitos das plantas, num acordo entre universidade e indígenas para novas descobertas científicas.

 

Em 2002, Carlini e Eliana foram acusados de biopirataria pelo Ministério Público (MP). O projeto foi interrompido e os dados levantados entregues ao MP. Lembrando do ocorrido, Eliana lamenta. “Esse caso trouxe consequências péssimas, do ponto de vista não só político, mas também da articulação entre universidade e povo tradicionais, porque esses povos, de certa forma, se sentiram lesionados. Foi um desserviço enorme para a pesquisa brasileira”.

 

Esses e outros obstáculos impedem o desenvolvimento da pesquisa de plantas medicinais no Brasil. Descubra na entrevista com Eliana quais os dilemas em estudar a relação das pessoas com a cultura das plantas medicinais e como é feita a aproximação com essas comunidades.

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Quais são as maiores dificuldades para estudar a medicina popular?

 

As relações entre universidade e as culturas, e o acesso ao conhecimento tradicional. Por mais incrível que possa parecer, nós temos essa sociobiodiversidade gigante no Brasil, mas os pesquisadores brasileiros têm muita dificuldade em acessar esse conhecimento tradicional, porque, muitas vezes, podem ser acusados de biopirataria. Por outro lado, vemos muitos estrangeiros que não pedem autorização, que vem de outros países, e conseguem fazer as pesquisas de alguma maneira, ou via ONGs, ou mesmo via universidades, mas sem o consentimento de fato. Então, na área da Etnobotânica e Etnofarmacologia, a maior dificuldade é justamente essa interface entre as culturas e as suas botânicas, as culturas e as suas farmacologias.

Como funciona o processo para ser iniciada a pesquisa de uma planta medicinal?

 

Depois do primeiro contato com os indígenas, o conhecimento é trazido para um químico, para que ele possa fazer um extrato, semelhante ao que já é feito pela comunidade. Depois, esse extrato é levado para o farmacólogo, que fará o que a gente chama de farmacologia pré clínica, que é quando o extrato é testado em camundongos, ratos, cães. Os resultados, sendo positivos, vão para a parte chamada de farmacologia clínica, que já é o teste com seres humanos. De forma geral, a cadeia de desenvolvimento de fitoterápicos é essa, a etnobotânica e etnofarmacologia são só o comecinho de tudo isso.

 

Tem algum critério para escolher a comunidade que vai ser estudada?

 

Sim, é necessário que essa comunidade ainda use ou tenha registro dos usos dos fármacos que estamos pesquisando. Por exemplo: quando eu fiz meu doutorado (pesquisa com os Krahô), foi no departamento de psicobiologia, e a gente tentava descobrir novos medicamentos para doenças psiquiátricas: Alzheimer, Parkinson, depressão, ansiedade. É difícil encontrar esse repertório entre os caiçaras ou os ribeirinhos amazônicos, por exemplo, porque são comunidades que tiveram influência da igreja católica no processo de miscigenação, que proibia o uso de algumas plantas. Mas os indígenas, no geral, preservaram esse conhecimento. Hoje, existem igrejas evangélicas dentro de aldeias que já acabaram com o xamanismo, como por exemplo, os Paiter Suruí, uma comunidade indígena em Rondônia. Logo, quando é necessário pesquisar, plantas específicas para psiquiatria, por exemplo, é interessante estudar indígenas, ou afrodescendentes, porque, no geral, eles não se deixaram inibir pelo processo civilizatório dessas igrejas.

 

Quais são os cuidados que tem que ser tomados para trabalhar com essas comunidades?

 

Bom, antes de começar o trabalho, é necessário saber quem são as pessoas: se é um grupo indígena, um grupo quilombola, um grupo caiçara; o local: se eles estão dentro de uma unidade de conservação, se fazem parte de uma aldeia indígena, de terra já demarcada. Tudo isso tem que ser levado em consideração para conseguir as autorizações e entender as necessidades de cada comunidade para desenvolver o trabalho. É um processo lento e difícil, pois envolve pessoas, línguas diferentes, e é muito caro também, porque se uma aldeia estudada fica em Tocantins, por exemplo, é necessários muitas viagens, não só para criar aproximação com a comunidade, mas também para resolver as burocracias.

 

Tem algum tipo de preconceito dentro da academia em relação a esse conhecimento popular?

 

Eu acho que existe um preconceito enorme, e não só em relação ao conhecimento tradicional ou popular, mas aos pesquisadores dessa área que são pouquíssimos. Os outros pesquisadores consideram que não é ciência, porque não é trabalhado com uma hipótese. Tentamos entender a relação entre as pessoas e as plantas, as pessoas e os animais, e pode até ter uma hipótese, mas não é a coisa mais importante. O mais importante é a relação humana, é dar visibilidade para esses povos tradicionais. Dizer que não é ciência é mero preconceito. Um exemplo é a acupuntura que sempre foi vista como uma coisa que não serve para nada, que é fake, e etc. Quando os médicos perceberam que ela realmente tinha algum efeito, eles se apropriaram da medicina dos chineses e proibiram quem não fosse médico de atuar no campo da acupuntura. Então, esse preconceito é tênue. Por exemplo, quando eu dou aula, eu sempre faço o teste: "Gente, de onde veio a aspirina?", e ninguém sabe responder. A aspirina veio de uma planta, e a partir de um conhecimento tradicional, e é um dos medicamentos sintéticos mais importantes que a gente tem no repertório médico. Falta muito conhecimento, e é na ignorância que as pessoas têm preconceito.

 

Você comentou da biopirataria. O que seria essa biopirataria?

 

Primeiro a gente tem que pensar o que é o conceito de biopirataria. Biopirataria, para mim, é quando você indevidamente se utiliza do conhecimento de determinada cultura ou pessoa. Considerando que o conhecimento seja coletivo, é quando o pesquisador se apropria do conhecimento de uma determinada cultura, e se beneficia com isso, do ponto de vista financeiro (porque, se fosse apenas do ponto de vista da publicação dos dados, todos os pesquisadores seriam biopiratas).

 

Como isso prejudica a pesquisa científica?

 

Na medida que você fortalece a ideia que o pesquisador brasileiro é o biopirata, e faz vistas grossas para esses caras que estão realmente fazendo biopirataria, você desqualifica e enfraquece a possibilidade de nós conhecermos sobre a nossa própria cultura, e autoriza cada vez mais eles a fazerem o que querem.

 

Qual é o papel das universidades para diminuir o preconceito?

 

As universidades têm um papel fundamental em disseminar a existência dessa relação entre comunidade e conhecimento tradicional, que as pessoas têm que aprender a respeitar. E não ser motivo de chacota ou descrença, que é muito comum, porque pode até não funcionar na nossa medicina, mas isso não significa que não funcione na medicina deles. Mas é um problema estrutural, a maioria das universidades de medicina não tem essas matérias na grade. Então, o governo criou a política de plantas medicinais em 2006, mas não fornece os cursos para capacitar os prescritores de plantas medicinais e fitoterápicos. Ou seja, temos um sistema falho, porque não adianta a gente sair correndo para registrar o conhecimento, para fazer a química, para fazer a farmacologia, preparar o fitoterápico, e o médico não indicar depois. Outra questão seria o preconceito: quando falo de práticas indígenas nos congressos, sempre me questionam se funciona, e eu penso: ora, se não funcionasse, por que fariam? Então, é muito difícil aproximar os alunos dessa realidade, porque eles continuam com aquela aura de pseudociência e preconceito, que é trazida por muitos professores, inclusive.

 

O conhecimento tradicional é negligenciado no Brasil?

 

Totalmente negligenciado, desprezado, e muitas vezes, rechaçado mesmo. O que é triste, porque nós somos o país mais rico em plantas do mundo. O Brasil tem 55 mil plantas, 305 etnias indígenas, mais de 1700 quilombos com afrodescendentes, então olha a riqueza que a gente tem da relação entre as plantas, animais, pessoas, e culturas. Tudo isso deveria ser registrado. Mas, das 305 etnias que a gente tem no Brasil, apenas 26 foram estudadas até hoje, e desses estudos, só dois foram feitos por brasileiros. O brasileiro não dá valor para o que tem, só valoriza o que tem lá no estrangeiro.

Texto e Fotos:
Andressa Navarro

Para além das  plantas medicinais

Como aproveitar 100% do que uma planta pode nos oferecer? Diversas são as respostas e elas dependem do conhecimento que temos sobre as propriedades de cada erva. Pois bem, você sabe como usar os benefícios expectorantes das folhas ásperas da hortelã para curar uma gripe? Ou então usá-la como um bom antisséptico?

 

Saiba que é possível fazer tudo isso a partir de uma planta comum que pode ser cultivada em praticamente qualquer ambiente?

 

A série de reportagens a seguir mostrará como as plantas podem ter inúmeros usos em nossas vidas e apresentará histórias de pessoas que mantém uma relação íntima com a natureza. Além, é claro, dos benefícios das plantas medicinais, descubra quais ervas e flores escolher na hora de limpar a casa, como pessoas estão substituindo corantes sintéticos por soluções naturais e quais cuidados tomar na hora de iniciar uma dieta com a ajuda de fitoterápicos.

EMAGRECER

SAÚDE

COSMÉTICOS

EMAGRECER

ALIMENTAÇÃO

CORANTES

LIMPEZA

Texto: Matheus Batista
Arte: Andressa Navarro e Matheus Batista
Os caminhos das plantas mediciais na indústria
Vai uma horta, aí?
Semente no concreto

Os caminhos das

plantas medicinais na indústria

Remédios, cosméticos, perfumes. As plantas medicinais e seus princípios ativos estão presentes na rotina de todas as pessoas, em produtos que têm como matéria-prima ervas como a camomila, a babosa, o eucalipto, e muitas outras. O que quase ninguém conhece é o processo pelos quais todas essas plantas passam até chegar às farmácias e aos supermercados.

A farmacêutica Andreia Aparecida Correa Coutinho explica que na indústria só se atribui efetivamente o nome "planta medicinal" àquelas que são cultivadas com a finalidade de extração das propriedades. Do plantio à colheita, a especificidade de cada planta é levada em consideração, mas o processamento é semelhante para a maioria delas. Confira abaixo os processos pelos quais as ervas medicinais passam até chegar até você:

Infográfico site
Inforgráfico: Samuel Oliveira
Texto: Gabriela Santos

Vai uma horta, aí?

A escolha por alternativas mais naturais no cuidado com a saúde tem se intensificado cada vez mais desde a criação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, em 2006. O crescimento pela procura de fitoterápicos e ervas medicinais resultou na criação de programas como as Farmácias Vivas, que surgiram em 2010 com o objetivo de facilitar o acesso da população às plantas medicinais e produtos feitos a partir dos seus extratos.

O programa trabalha em conjunto com hortas comunitárias no plantio e cultivo de ervas e derivados com propriedades terapêuticas. Mas nem todo mundo sabe onde encontrar essas alternativas naturais de tratamento. Nós, do Raízes, te mostramos os principais pontos de distribuição de plantas medicinais e fitoterápicos, além das hortas comunitárias no estado de São Paulo. Clique no mapa abaixo para conferir:

Texto e Geolocalização:
Leonardo Lotto
O que você sabe sobre maconha de uso medicinal?

Semente no concreto

Na zona norte da gigantesca São Paulo, em meio às fábricas, prédios, asfalto, existe um lugar em que a cor predominante é o verde, o sabor de fazenda é possível e o frescor e o aroma típico da natureza tomam conta do ar. Um jardim com mais de 175 espécies de mudas, ervas e temperos. Um espaço para aprender e ensinar crianças e adultos. Um local de conexão e reconexão que permite descobrir o valor e os benefícios de cada planta. 

 

Bem-vindos, toque o sino para ser atendido!

Eu nasci em 1993, este ano completo 26 anos de vida. Minha mãe já foi em lugares muito legais para falar do trabalho que realizamos, minhas duas mães. Elas são irmãs! Calma, eu juro que ainda vou explicar essa história direitinho. O nome delas é Silvia e Sabrina Jeha, e eu considero ambas minhas mães, afinal, elas me criaram.

 

A Silvia é nutricionista por formação, gosta de dizer que sou um oásis na cidade, mas vamos direto ao ponto, a minha história. Ela começa em 93 como eu já disse no primeiro parágrafo. Há 26 anos ela estava trabalhando em uma clínica de reeducação alimentar. Nesta época a paixão pelas plantas já era enorme e Silvia fazia floreiras utilizando ervas para dar aos pacientes. Isso era algo muito novo, e ela comentou que foi incentivando as pessoas a criarem hortinhas dentro de suas próprias casas. 

 

Aquela pequena faísca de incentivo motivou Silvia a continuar o trabalho. Ela viu que era possível fazer com que as pessoas tivessem suas próprias hortas caseiras, mesmo muitos morando em apartamentos. Mas, para este trabalho crescer e continuar, não poderia ficar para sempre dentro de uma clínica de reeducação alimentar.

 

O primeiro lar desse projeto foi o quintal de uma casa, na própria Vila Maria. E foi neste momento que Sabrina, que na época ainda estava no ensino-médio, se juntou a Silvia nesta missão de criar um espaço dedicado às ervas e plantas. 

 

Eu fui ficando grande para o quintal de uma casa e em 1994 a principal meta se transformou em atingir uma produção 100% orgânica, sem o uso de pesticidas. O hortelão que estava conosco naquela época era o seu Gerson, e ele ajudava muito no cultivo, mas estava habituado a um método de trabalho que incluía a utilização de químicos.

 

O mais incrível é que mesmo habituado a plantar daquele jeito ele esteve disposto a se arriscar e experimentar novas formas e seguimos juntos. Aprendendo e crescendo.

“Seguindo essa lógica, se são ervas medicinais, temperos frescos a lógica é fazer o mais natural possível”

Sabrina Jeha, pequena agricultora.

Eu fui crescendo. Eram cada vez mais pessoas nos visitando, mães, crianças e muitas delas pediam por dicas, ideias, possibilidades para plantar. Acredito que demoramos para entender nossa vocação para viveiro escola, mas nasceu. Criamos o projeto dedinho-verde e uma série de cursos que oferecemos até hoje. Tudo começou por causa da comunidade que conseguimos criar, era uma demanda das próprias pessoas que já estavam regularmente inseridas em nossa rotina, eram parte de mim. 

 

As mães queriam que os filhos estivesse inseridos na natureza, muitas pessoas queriam saber diferenças de algumas ervas medicinais para outras, o jeito correto de cultivar cada uma daquelas mudas, tudo isso. Não vou mentir, a parte financeira sempre foi uma dificuldade para nos mantermos de pé, realizar toda a parte de treinamento, pagar os funcionários, que nos ajudam e tornam tudo isso possível. No início era inclusive engraçado, ninguém queria trabalhar no viveiro, as pessoas sempre de candidatavam para trabalhar no escritório, então foi um desafio também capacitar e encontrar quem quisesse, além de muitos agrônomos que vinham nos ajudar que diziam não saber como fazer aquilo de forma orgânica. 

 

Quando me encontrar, eu peço que feche os olhos e esqueça tudo que está lá fora. Sinta o ar, aproveite o silêncio, este perturbado apenas pelos carros que passam na avenida lá fora. Deixe-se levar pelos aromas, pelo verde, pela confusão dos puros odores emanados pela salsa, pela cebolinha ou pelo alecrim. É hora de sentar e tomar um chá, puro, feito com ervas cultivadas por nós mesmos. 

 

Dá para imaginar que tudo começou com 15 ervas, e hoje já são 175 espécies? São ervas aromáticas, PANC (Plantas Alimentícias não Convencionais), medicinais e hortaliças. Já virou um espaço de tanta variedade que as próprias pessoas têm trazido novas espécies para mim. É inesquecível a história de uma mulher que trouxe um manjericão libanês. Ainda não conseguimos fazer ele reproduzir, mas ele está aqui, bem cuidado e com muita companhia verde.

 

Lá atrás, fazem uns 20 anos. E hoje só cresce, cada vez mais pessoas, crianças, e profissionais capacitados para repassar este conhecimento. É uma família que só cresce.

“É um conjunto. É viveiro escola, é a produção de mudas, é o espaço super bem cuidado, então tudo isso faz o Sabor de Fazenda esse lugar tão especial de conexão e reconexão com a natureza dentro de um centro urbano”

Sabrina Jeha, pequena agricultora

Hoje eu creio que as pessoas estão repensando a forma como levam a vida, eu vejo as crianças sedentas por uma conexão com a natureza. É o redescobrimento de algo que sempre esteve aqui, e o homem foi consumindo, quase tão feroz como um tsunami, mas as coisas estão mudando. As pessoas querem contemplar o verde.

 

Mas não é só olhar e sentir, quero ensinar! Não importa se é casa ou prédio é possível colocar um pouco de verde na rotina, e eu estou disposto a ensinar. 

 

Eu meio que contei toda a minha história esqueci de me apresentar, né? Minhas criadoras adoram falar que eu sou um oásis na cidade. Então, eu sou o Herbário Sabor da Fazenda e, neste ano completei 26 anos. Se eu tivesse falado isso logo de cara ficaria menos esquisita a parte de minhas mães serem irmãs, né? 

 

É uma alegria incrível ver esse encontro de histórias permitidas pela natureza. Lembra que falei que no início as pessoas não queriam trabalhar no viveiro? Hoje muitas dessas pessoas saem de seus empregos, ou pegam férias, elas nos procuram e pedem um estágio conosco, um tempo para aprender o máximo que puderem sobre as plantas. 

 

Fora as incríveis histórias que surgiram disso, tem gente que veio, ficou um tempo conosco e resolveu abrir um restaurante apenas com temperos orgânicos, gente que passou a adotar as plantas medicinais para tratamentos, outros que criaram suas próprias hortas. Nós fomos precursores, mas com o crescimento e a expansão deste estilo de vida, nós todos só temos a ganhar.

 

Minhas portas sempre estarão abertas! O principal objetivo é que este espaço seja um local de conexão e reconexão com a natureza. 

Texto e Fotos:
Marcelo Hirata

O que você sabe sobre

maconha de uso medicinal?

Assim como outras plantas popularmente conhecidas, a maconha também tem propriedades medicinais comprovadas, podendo auxiliar no tratamento de doenças como epilepsia, autismo, dores crônicas, doença de Parkinson e alguns tipos de câncer.

 

Por essa razão, desde 2015, a Anvisa liberou a utilização do canabidiol, um dos principais componentes da planta para o tratamento de pacientes com epilepsia que não respondem ao uso de remédios convencionais. Até 2018, 4.617 pessoas já haviam conseguido a autorização com base em laudos médicos para importar produtos derivados da maconha, como por exemplo, o Metatyl feito a base da planta e indicado para o tratamento de adultos com rigidez muscular causada pela esclerose múltipla.

Para testar seus conhecimentos sobre as utilizações e legislações que vigoram sobre o uso medicinal da maconha, responda às perguntas abaixo: 

Texto:
Cinthia Guimarães
Gabriela Santos
Conteúdo interativo: Andressa Navarro
Bárbara Moraes
Marcelo Hirata
Tudo passa, nem tudo volta
Conheça os apaixonados por ervas

Tudo passa, nem tudo volta

Folhas verdes e pontos vermelhos. Essa era a imagem que tínhamos olhando para cima, para a árvore da rua. À tarde, reuníamos todos do bairro para comer as bolinhas vermelhas saborosas e azedas ao mesmo tempo, e conversar horas a fio. 

 

Hoje... só me lembro disso, dizem que ela nem existe mais. Um vizinho, daqueles das antigas, me disse que ela passou um tempo presa, com concreto nos pés, outro falou que as grades do portão a enforcavam e sufocavam. E depois decidiram que era melhor que nem existisse. Talharam-lhe a vida.

 

Voltei lá, outro dia, para ver como estava. As folhas que eram fervidas quando a garotada do bairro ficava com disenteria já não eram usadas para isso e os novos moradores nem sabem o que são aquelas deliciosas bolinhas vermelhas. Fico pensando o que fazem quando o ventre fica um pouco solto, se é que me entende. Melhor não pensar!

 

Esses dias vi no jornal que estavam queimando nossa casa. Me perguntei de que casa falávamos, se a minha estava inteira e de pé. Vai entender esse pessoal que quer salvar o mundo. Para a gente crescer tem que usar os recursos, não é? Como podemos falar de desenvolvimento se deixamos tudo do jeito que está?

 

"Se bem que aquela pitangueira ainda deveria estar lá, era tão boa. E aquela sombra no calor, parecia o único lugar que dava para respirar, lembrava lar."

 

Mas eu acho que a cidade tem que tomar tudo mesmo, quanto mais prédios, mais desenvolvidos somos. Veja só, meu vizinho comprou um terreno perto de uma represa esses dias. Uma vista linda! Ele disse que não pode tirar 30% do mato, para preservação da mata nativa. É crime ambiental! Tudo por causa de uma tal de taboa que tem por lá, um mato compridinho com um negócio estranho na ponta, dizem que ajuda a limpar e manter os rios, mas isso é caô. Certeza que é a oposição não deixando a gente evoluir. Eu disse que ele devia tirar tudo, afinal quantos crimes os políticos não fazem por aí? Aí quando é o povo, não pode. Um absurdo!

 

"Droga! Faltou água de novo. Não sei por que eles cortam isso toda noite? Afff..."

 

Esse papo me deixou com dor de cabeça, só queria tomar um banho e um chazinho de camomila, mas não tem água! Lembro que quando eu era pequeno, minha mãe sempre tinha um chá para tudo. Ela dizia que aprendeu com a vó. A vó era parente de índios, conhecia tudo que era planta, e para que servia cada uma. O povo chamava ela de louca. Depois que ela morreu e eu me mudei para a cidade, eu já não lembro de mais nada, sempre tenho que perguntar para a minha mãe, ou perguntar para o pai Google né. rsrsrrs

 

Mas, na real, as tradições tem muito disso, começam com um dito, crescem e se enraízam na cultura. Depois entram no Google e o que faz sucesso lá, fica para sempre nos dados. O resto é esquecido, quase como as pessoas que os descobriram…

 

Saudades da vó...

Pitanga
Texto e Fotos:
Andressa Navarro

Conheça os apaixonados

por ervas 

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ANDRESSA NAVARRO

  • Andressa Navarro
  • Andressa Navarro

Entusiasmada e louca por uma organização, Andressa Navarro, 20 anos, não vive sem um chazinho de gengibre para manter a energia o dia todo. Não desanimou até o Raízes estar no ar. No jornalismo, aprendeu a ouvir e contar histórias. Construir o Raízes foi sobre uma mistura de novidade, ancestralidade e reconexão.

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